segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Adeus, Natal


É difícil chegar ao Dia de Reis. Então, empurra-se o dia de Reis para o meio de Janeiro. Para o fim de Janeiro. Apenas porque é desapropriado ter uma árvore de Natal em casa no Verão. Aqui, em Lisboa, que é onde estou.

Então o sol começa a voltar, os dias ficam maiores, a natureza manifesta-se, as gretas das janelas voltam a ser abertas de manhã para arejar. Começa a ser difícil justificar o pinheirinho decorado.

Então, embrulhado num saco de plástico e em folhas de jornal, lá vai o menino para mais uma temporada enfiado na cave. Com a Maria e o José. E o pastor.

Para o ano há mais. Entretanto, interregno de menino. Passa mais tempo a dormir que acordado, coitadinho. Vai a secretária para o lugar do pinheirinho, a cara do Fernando Pessoa para o lugar dos anjinhos, a aparelhagem para o lugar do S. José.

Venham os bikinis de Fevereiro. Estou preparada para o Verão.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Mouraria

Estávamos perdidos na Mouraria. Nas ruas escuras há um misto entre o popular e o assustador. Não que o popular assuste, mas as ruas estreitas sem luz e sem chão revelam uma cidade que dorme num sono leve, alerta.

Entrámos numa tasca onde se jogava às cartas. Queríamos uma rua conhecida, mas não conseguíamos encontrá-la. Falta de luz. Perguntaram-nos se íamos para os amigos do teatro. Envergonhados, dissemos para onde íamos. E para nosso espanto, conheciam. Era logo depois do largo da Severa.

A Severa. Esse marco na história do fado, na nossa história. Passámos a casa da Severa - seguimos pela parte debaixo da Mouraria, é mais seguro embora seja mais longe. Vimos um rapaz que passeava um obediente pit bull. Reparámos numas águas furtadas onde adoraríamos viver.

Chegámos. Intrigados, voltámos para trás. Não devia ser ali, afinal. Entrámos noutra tasca. Curiosamente, também ali se jogava às cartas. Era naquele lugar, sim, que pergunta. No segundo andar. Era preciso entrar sem pisar o gato e subir as escadas.

Foi o que fizemos. À entrada, o rapaz, novinho, mal falava português. Sentou-nos na mesa grande. Perguntámos se podíamos ficar no cantinho da mesa, já que éramos só dois. Não podíamos, porque se chegasse mais alguém não ia caber. Foi assim que ficámos à frente de três rapazes que liam animados um storyboard. O seu storyboard.

A comida era boa, muito boa. E ali, na casa daquelas pessoas, na sala daquelas pessoas feita restaurante, que tinha a panela do arroz ao lado da casa de banho e o lava-loiças no corredor, pensei no que me envergonhava.

Ir ao restaurante chinês em plena Mouraria. Planear a ida com uma semana de antecedência, esperar para entrar, sair às 23h30 e fazer a felicidade de um grupo esfomeado. Porque não fomos aos amigos do teatro, à casa de fados, à casa da Severa? Porque não vai aquela gente toda aos amigos do teatro, à casa de fados, à casa da Severa?

Porque é isso mesmo que faz as grandes cidades. E porque o chinês custa seis euros. Porque as grandes cidades acolhem, misturam, incorporam. Porque aquele restaurante chinês parece uma casa portuguesa.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Patinagem no Gelo


Começavam os dias a arrefecer (lá para os 15 graus) e a chuva a chegar sempre sem trazer neve e recebi a excitantíssima notícia de um ring de patinagem no gelo em pleno Rossio. Que era enorme, que era lindo, que era iluminado, que era de gelo, que era ao ar livre (an?) que parecia Nova Iorque, que não tinha assim tanta gente (como?), que tínhamos mesmo que ir, que o meu braço meio partido não podia servir de desculpa.

Não fui. Mas contei a toda a gente, sempre com o mesmo entusiasmo. E se fossemos lá numa hora de almoço? E se fossemos depois de um copinho de tinto? E porque eu já andei e é muito giro e porque ainda hoje tenho uma queimadura graças a um ring de patinagem no gelo (na qual pus água oxigenada, a água benta da minha casa de banho que agora é proibida) e porque é no Rossio que está todo iluminado.

Há uns dias, passei no ring. Meia dúzia de miúdos a patinar ao som da Romana, envoltos em publicidade da Santa Casa. E o ring de gelo ficou, de facto, lá para as cidades onde neva. Porque o do Rossio, pessoas cosmopolitas, o do Rossio é de plástico. Plástico branco, mas plástico.

Fez-me lembrar aqueles momentos deprimentes em que entramos na escola primária dez anos depois e nos apercebemos de que tudo era uma ilusão de tão pequenino que, na realidade, era. E o chão da minha cozinha. Também me fez lembrar o chão da minha cozinha.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Parabéns à Cinemateca


Porque faz este ano 30 anos que passou a existir como Cinemateca Portuguesa e, este mês, tem um programão daqueles.

E ontem, às nove e meia da noite, lá ia o Manoel de Oliveira, ele e os seus 102 anos apoiados apenas por uma ligeiríssima bengala, para apresentar o seu novo filme aos Lisboetas, que, diga-se de passagem, são sempre os últimos a saber. "O Estranho Caso de Angélica".

Fez-nos rir, como sempre. Sublinhou a utilização de efeitos especiais, como nunca. Pediu "uma coisa daquelas que distribuem em Hollywood" póstuma ao Meliès, o pai dos ditos efeitos. E, de facto, lembrou-nos Meliès. Talvez por não se chamar James Cameron, talvez por não viver em Hollywood.  Talvez por ser demasiado irónico, talvez por ser desprezado pelo IMDb. Talvez por ter 102 anos e já não estar para essas andanças.

Pouco importa. O filme é bom, vejam. Ou a New Yorker não o teria nomeado como 8º do top 15 mundial. A ele e a outros dois filmes portugueses.

E por uma vez, sinto prazer em ver gente mal educada a passar à frente e a dar encontrões para apanhar o melhor lugar (e grátis!) entre os piores. Não é por isso que deixo de lançar o insulto, não é por isso que deixo de me enervar e não é por isso que deixo de ouvir o rapaz envergonhado a dizer ao ouvido "Oh Margarida, deixa lá". Mas que quase nos desmembremos para entrar na sala de cinema como nos desmembramos em filas para a casa de banho não deixa de ser bom sinal.

E já agora, fica a notinha, para os interessados, parabéns ao meu Sporting que não ganha nada (nada de importante...), mas que educa aqui o povo lá do alto do seu magnífico estádio, passando o Aniki Bóbó. Espero que ainda lá esteja, vale a pena ver no cinema.

Fogo de artifício


Lembrei aquele dia passado numa cozinha parisiense a aprender a arte do Couscous. O segredo está na farinha, em como amassas a farinha, na quantidade de azeite, no tempo que fica no vapor. O segredo está sempre nas coisas mais simples e insípidas.

Passar o ano é reparar no tempo. É vestir o Bordalo Pinheiro de Couscous em vez no típico peru recheado. É abrir o vinho que nos deram no Natal e sentá-lo à mesa quase vazio. É esquecer-se do champagne e lembrar-se das passas. Esquecer-se do bom, lembrar-se do mau. E chamar-lhe uma festa.

E então é pedir. Desejar. Aproveitar para prometer a esse tempo que, nesse dia, está lá, que as coisas seguirão o seu caminho.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Momento Veet

Aloe Vera, Óleo de Amêndoas, Noz do Brasil, Manteiga de Karité, Vitamina E, Azeitona, Óleo de Aragão, é vê-los desfilar nas prateleiras dos supermercados, de olhar sexy, aos saltinhos, às palminhas, a tentar conquistar mulheres vestidos de cor-de-rosa.

Mas onde está a Aloe Vera quando os braços parecem paralisados e a cera continua colada ao lábio superior à espera de ser arrancada? Quando a nossa figura no espelho grita COBARDE! e as nossas mãos reagem retirando devagarinho a banda para não magoar? Onde está? No fim? Hidrata? Acalma a pele? Então experimentem sair à rua logo após a operação. É que chegarão à conclusão de que mais vale ter buço.