quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Adeus, Madalena



A prova de que a minha vida é algo confusa, é este cão de dois metros à janela de um quinto andar com toalhas de bidé penduradas no estendal em dia de chuva.

Neste andar vive também uma senhora velhinha, ao que parece sem qualquer outra companhia humana, que, diz-se por aqui, não sai de casa há uns anos. Parece que o prédio não tem elevador. Como ela, o seu cão, que tem como único espaço exterior esta varanda onde não consegue sequer dar meia volta, pelo que anda para a frente normalmente e para trás de marcha atrás. E sendo o espaço exterior também um espaço de satisfação de necessidades ditas básicas o rapaz lá vai alçando a perna aos transeuntes que se queixam dos ares condicionados que se fartam de pingar.

Devia ser proibido lançar um blog sobre Lisboa e trair assim a cidade umas parcas semanas depois. Mas assim obrigam os melhores salários, os grandes desafios, que nos fazem deixar esta Madalena que definha encantadoramente, que toca os sinos a hora incerta, que desafina quando canta músicas de Natal, que acolhe manifestações, que expira CO2, que inspira arquitectos, que nos trata por tu, que ensurdece o Senhor Domingos, que nos faz descobrir o verdadeiro Tejo.

Mas não te preocupes, Madalena. Guardarei os confins da banlieue bem nos confins de mim mesma. Aparentarei ser snob. Não referirei palavras como Miraflores ou Linda-a-Velha. Porque, para isso, este lugar teria que passar a chamar-se novelas de grande lisboa e parceria uma rubrica de trânsito da TSF.

Novas profissões

Que estejam ligadas aos iphones, aos Boeing 787, aos satélites, às energias renováveis e a esses objectos desconhecidos que nascem todos os dias, aceito. Descriminem à vontade, que eu tanto se me dá. Façam que não percebem, peçam para repetir, para contar o percurso, para explicar "mas porquê?", intriguem-se, aprendam.

Agora que chamem à comunicação uma nova profissão é algo que já me incomoda. Existe desde o tempo em que os macaquinhos davam os primeiros passos para se tornarem homenzinhos. Os gregos (antigos) estudavam retórica. E mesmo se a primeira agência de comunicação do mundo tenha surgido recentemente (1812 segundo a Wikipédia), creio que, 200 anos volvidos, já houve tempo suficiente para interiorizar o conceito na sociedade. Não?

Não. É uma sociedade muito inteligente sim senhora, mas 200 anos não chegam. Estes processos de aprendizagem são demorados e, por vezes, perdem-se de geração em geração. E então há que explicar à senhora das Finanças que por escrever no dia-a-dia não tive necessariamente que tirar Direito e que por fazer consultoria não fui obrigada a tirar gestão. Que por fazer longas pesquisas sobre assuntos diferentes todas as semanas não tive que estudar jornalismo. E que por fazer orçamentos não tive que estudar matemática aplicada.

Amavelmente, a senhora passou-me o livro das profissões e disse-me para escolher uma. E foi assim que por entre folhas quase translúcidas, me apressei, como nos velhos tempos em que a Irmã Teresa colocava os olhos a 2 centímetros da minha cabeça que rezava apenas por encontrar o mais depressa aquele evangelho segundo S. Lucas e se perguntava, com tremores infernais, porque raio a bíblia não tinha um índice, que fiquei com o termo publicitária cravado na pele. Embora o não seja exactamente. Expliquei à senhora quanto previa ganhar até ao final do ano (estimativa sempre por cima, que sou uma pessoa optimista). Foi então que, amavelmente, sempre amavelmente, percebeu o que era a comunicação. E disse-me que "não, querida, nesse caso não terá que descontar nada".

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Eléctrico de Natal

É perito em soltar gargalhadas. Não por ter japoneses pendurados na janela da frente ou jovens agarrados à porta de fora. Não por estar constantemente encravado nos carris engarrafando o trânsito até ao Parque das Nações. Não por apitar tão alto como uma bicicleta. Não por ser tão fotogénico que enche as paredes de qualquer café lisboeta menos original. Não por ser um eléctrico. Mas por ser conduzido pelo Pai Natal (o menino Jesus é muito pequenino para conduzir).

Tem lâmpadas não económicas à volta, música de Natal, sininhos de Natal, desenhos de Natal, enfim, uma festa. Para quem vê. Porque isto de ser dia de passar a mão pelo rosto das crianças é muito bonito, mas não é por isso que elas deixam de ter aquele ar enfadado de "Quantos kms faltam?" ou "Quando vem o loop?" quando passeiam pelas ruas de Lisboa no eléctrico de Natal.

As gargalhadas têmo-las nós, adultos às compras ou em hora de almoço, verdadeiras crianças felizes por o António Costa ter finalmente (e tardiamente) acendido as luzes e totalmente alheios ao facto de elas custarem um dinheirão.