A prova de que a minha vida é algo confusa, é este cão de dois metros à janela de um quinto andar com toalhas de bidé penduradas no estendal em dia de chuva.
Neste andar vive também uma senhora velhinha, ao que parece sem qualquer outra companhia humana, que, diz-se por aqui, não sai de casa há uns anos. Parece que o prédio não tem elevador. Como ela, o seu cão, que tem como único espaço exterior esta varanda onde não consegue sequer dar meia volta, pelo que anda para a frente normalmente e para trás de marcha atrás. E sendo o espaço exterior também um espaço de satisfação de necessidades ditas básicas o rapaz lá vai alçando a perna aos transeuntes que se queixam dos ares condicionados que se fartam de pingar.
Devia ser proibido lançar um blog sobre Lisboa e trair assim a cidade umas parcas semanas depois. Mas assim obrigam os melhores salários, os grandes desafios, que nos fazem deixar esta Madalena que definha encantadoramente, que toca os sinos a hora incerta, que desafina quando canta músicas de Natal, que acolhe manifestações, que expira CO2, que inspira arquitectos, que nos trata por tu, que ensurdece o Senhor Domingos, que nos faz descobrir o verdadeiro Tejo.
Mas não te preocupes, Madalena. Guardarei os confins da banlieue bem nos confins de mim mesma. Aparentarei ser snob. Não referirei palavras como Miraflores ou Linda-a-Velha. Porque, para isso, este lugar teria que passar a chamar-se novelas de grande lisboa e parceria uma rubrica de trânsito da TSF.