Desfilam no Chiado com as suas montras, a exibir o seu interior trendy, os seus cabeleireiros de penteados pouco naturais, de óculo da moda e de brinco que alarga a orelha, os seus sofás de massagens, as suas marcas de champô, os seus preçários proibitivos, os seus clientes.
Porquê? O ser humano no cabeleireiro é coisa que não dá prazer ao olhar... depois de lavar o cabelo, de cara vermelha do vapor e maquilhagem meia a escorrer lá se coloca em frente ao espelho, de penteado a meio, a observar o processo, numa espera nervosa, desconhecendo o futuro, pensando se o sorriso amarelo final será suficiente para não ofender o profissional. E a pessoa sente que destoa, que não tem cabelos lisos e que talvez por isso se justifiquem as barbaridades que tem que ouvir. "Eu até te fazia o corte que pedes, mas o teu cabelo não serve". É todo um processo de ofensa psicológica, de incompreensão dos momentos de passagem a ferro de um cabelo desobediente.
Pois o meu melhor cabeleireiro é num banco de madeira, de televisão ligada na Sport TV, canja a ferver na panela mesmo ali ao lado, carpete enrolada para os cabelos caírem directamente para o chão e a cara da Natalie Portman escarrapachada no ecrã do computador. "Pronto, é para ficar assim".
A plateia olha sem interesse algum e o cabelo vai caindo, caindo, assustado, sem espelhos, num total desconhecimento do que deixa para trás. No final, há a surpresa, a sinceridade do "vou ter que me habituar", sem pessoas ofendidas, sem dinheiro deitado pela janela, sem dores nas costas das cadeiras de massagens, sem o pescoço ofendido pela total inadequação dos lavatórios dos cabeleireiros a pessoas baixas.
E o mais irónico é que me perguntam sempre: "bem, que corte radical, mudaste de cabeleireiro?". Não, é o mesmo há 25 anos.