domingo, 16 de janeiro de 2011

Mouraria

Estávamos perdidos na Mouraria. Nas ruas escuras há um misto entre o popular e o assustador. Não que o popular assuste, mas as ruas estreitas sem luz e sem chão revelam uma cidade que dorme num sono leve, alerta.

Entrámos numa tasca onde se jogava às cartas. Queríamos uma rua conhecida, mas não conseguíamos encontrá-la. Falta de luz. Perguntaram-nos se íamos para os amigos do teatro. Envergonhados, dissemos para onde íamos. E para nosso espanto, conheciam. Era logo depois do largo da Severa.

A Severa. Esse marco na história do fado, na nossa história. Passámos a casa da Severa - seguimos pela parte debaixo da Mouraria, é mais seguro embora seja mais longe. Vimos um rapaz que passeava um obediente pit bull. Reparámos numas águas furtadas onde adoraríamos viver.

Chegámos. Intrigados, voltámos para trás. Não devia ser ali, afinal. Entrámos noutra tasca. Curiosamente, também ali se jogava às cartas. Era naquele lugar, sim, que pergunta. No segundo andar. Era preciso entrar sem pisar o gato e subir as escadas.

Foi o que fizemos. À entrada, o rapaz, novinho, mal falava português. Sentou-nos na mesa grande. Perguntámos se podíamos ficar no cantinho da mesa, já que éramos só dois. Não podíamos, porque se chegasse mais alguém não ia caber. Foi assim que ficámos à frente de três rapazes que liam animados um storyboard. O seu storyboard.

A comida era boa, muito boa. E ali, na casa daquelas pessoas, na sala daquelas pessoas feita restaurante, que tinha a panela do arroz ao lado da casa de banho e o lava-loiças no corredor, pensei no que me envergonhava.

Ir ao restaurante chinês em plena Mouraria. Planear a ida com uma semana de antecedência, esperar para entrar, sair às 23h30 e fazer a felicidade de um grupo esfomeado. Porque não fomos aos amigos do teatro, à casa de fados, à casa da Severa? Porque não vai aquela gente toda aos amigos do teatro, à casa de fados, à casa da Severa?

Porque é isso mesmo que faz as grandes cidades. E porque o chinês custa seis euros. Porque as grandes cidades acolhem, misturam, incorporam. Porque aquele restaurante chinês parece uma casa portuguesa.

4 comentários:

  1. A culpa é minha, Margarida, que te introduzi nas artes da cozinha chinesa através do pato à Pequim. Desculpa! E da tua mãe que te levou, depois, de férias para o Vietname. Mas não desenvolveste a história do gato. Será porque...
    Um dia destes, planeamos com alguma antecedência, e vamos jantar, a três ou a quatro, a uma verdadeira casa de fados.

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  2. um salva de palmas para esta menina se faz favor!!

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  3. Olá! Em nome da equipa dos 7 Cronistas Crônicos gostava de agradecer a sua visita no blog. Aliás, não só isso: o teu espaço também é muito bacana! Parabéns! Espero que volte mais vezes.

    Um abraço em nome de todos!

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  4. Barcelona - Gran Via dels Corts Catalanes - chino-japonês com BUFFET LIVRE 8.50€ e filipinos no mostrador das sobremesas.
    Máquinas de lavar e afins longe da vista.
    Porém, bebida obrigatória (água!)n incluida + Iva 12€ no final das contas.
    Eu fico com o chinês da Mouraria!

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